Janela Poética II

Alberto Bresciani

 

Foto: Cristiano Xavier

 

OFICIAL

 

A multidão
de estranhas peles,
gravatas, panos turvos.

O silêncio é o som
possível, o não-grito.
E esses rostos,

parados no tempo,
nunca mencionaram
o descabido

de aparecer só
e coberto
de escamas.

 

 

 

***

 

 

 

MENSAGEM

 

Faria um poema
de amor.

Mas penso em aviões
que decolam,
trens partindo,
em filmes antigos,
gavetas vazias,
a marca do quadro
na parede,
o livro embrulhado
para presente
e coberto de pó.

Este é meu poema
de amor.

 

 

 

***

 

 

 

OBLÍVIO

 

Um espinho na palma da mão,
a herança ou a graça.
Um nome, história
escrita em rocha, em pluma,
no canto dos olhos.

Uma planta, um tempo,
uma gema que amamos,
queremos,
e sem garantias,
sem garras e armas,
aprendemos,
grão por grão,
a esquecer.

 

 

 

***

 

 

 

DUO

 

Cordões, cadarços,
todos esses nós
atando angústias.

Mormaço, enjoo
dos dedos à cabeça.
E então você diz

– Vem,
desliza
pelos meus cabelos.

E um arco cresce
entre som e ar,
desfaz nódulos, dá fome.

Os pés
descalços.

 

 

 

***

 

 

 

MAPA

 

Tentei ser mau,
cortar as asas dos pássaros,

atravessar a nado
o lago no inverno.

Comprei facas e explosivos,
fechei os olhos

ao velho e seu cão,
mortos de fome na praça.

Quase anjo torto.
E era só amor.

Até além do ridículo.
Eu sei.

Só para você anotei,
no bloco da cozinha,

o lugar exato
onde está

emparedado
o meu corpo.

 

 

 

***

 

 

 

BISCOITOS

 

Imerso no terno
de corte exato,
em seu carro moderno,
cuja marca não sabe,
Franz aguça o olhar.

Como jovens animais,
fareja o ar
à procura
de respostas.

Havia um cheiro de biscoitos
em latas antigas.
Era uma forma
de completude
e revelação.

Mas Franz sente espinhos
nas vértebras.

Aviso
de que os tempos
dos milagres
acabaram.

 

Alberto Bresciani nasceu no Rio de Janeiro. Vive em Brasília. Autor de “Incompleto movimento” (José Olympio Editora, 2011), “Sem passagem para Barcelona” (José Olympio Editora, 2015, finalista do prêmio APCA de Literatura – Poesia de 2015), “Fundamentos de ventilação e apneia” (Editora Patuá, 2019) e “Hidroavião” (Editora Patuá, 2020). Integra, entre outras, as antologias “Outras ruminações” (Dobra editorial, 2014), “Pessoa – Littérature brésilienne contemporaine” (Revista Pessoa, édition spéciale – Salon du Livre de Paris, 2015),  “Escriptonita” (Editora Patuá, 2016), “Hiperconexões: sangue e titânio” (Editora Patuá, 2017) e “Ruínas” (Editora Patuá, 2020). Tem poemas publicados em portais, blogs e sítios da internet e em revistas e jornais impressos.

 

 

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