Janela Poética III

Luiz Frazon

 

Foto: Tati Motta

 

ARCHYTAS OF TARENTUM

 

O que sabemos
de nós mesmos
é um pouco mais
do que uma chave de fenda sabe
sobre um parafuso:
é um jeito abissal
de enroscar o mundo
e prendê-lo, firme.
Um íntimo conhecer, profundo,
do seu nome ferroso,
a matéria que se abraça.
É lançar-se adentro
e entretecer o aço
sob pressão
da mão alheia.

 

 

 

***

 

 

 

COSTURA

 

“Quanto mais eu, que nu nasci, me encontro nu:
nem perco e nem ganho.”
Cervantes

 

Guardo com zelo,
numa das gavetas de minhas vísceras,
a primeira roupa que vesti.

Era eu, não muito mais
que um nome
e um mosto de minha mãe e de meu pai.

A roupa trançava seu algodão no meu torço,
tecia-me uma língua,
aquecia-me um gesto,
e enxugava todos os choros
do resto de minha vida.

 

 

 

***

 

 

 

ITINERÁRIO ESTILETE

 

Num vão de tempo,
esquecida
e prenha
de sabores salinais,
a lágrima
é a cicatriz solúvel,
iluminada,
pública,
engasgada
no caminho
de um ismo choro.
Agora,
outra percorre uma vereda
já de antes desbravada:
um rastejo cítrico
no encalço da benção.
Em dorso derme
no rodapé da folha-face
a cópula:
fusão de gotas
atemporais.

 

 

 

 

***

 

 

 

 

COMEDOURO

“Mourão, mourão
Tome teu dente podre
Dá cá meu são.”
parlenda de autor desconhecido

 

barganhamos com nossos nomes
a imagem
do que esperamos ser

no entanto, à conta-gotas,
somos traídos

o nome é a palavra que nos come

 

 

 

***

 

 

 

ESTATUTÁRIO

“Olha tua obra.
Olha a obra que é tua por ser feita à tua revelia.”
Rodrigo Petrônio

 

Seguramos o sol
com força, na unha.
Não lhe damos folga abonada,
nem licença ou férias;
não lhe permitimos atestar
doença ou praga
na pele do seu nome de luz.
Queremos o sol
analfabeto em Marx,
quase escravo.
E são poucos os que o imaginam
rebelado,
vigorando seu ardor
e retorcendo a madrugada.
Forjando no fogo
imagem lúdica da meia-noite.

 

 

 

***

 

 

 

POEMA PARA HEIDEGGER CORRIGIR

 

“Flerto com o mundo enquanto o calunio”
Victória Monteiro

 

Chove lá fora,
no entanto, uma janela, com laivos de vidro,
e estigmas de aço,
lacra meu corpo
para o mundo.

Desejo arremessar minha consciência
o mais longe que posso.
Na chuva, ela ensopa-se de rios selvagens nas ruas
e empossa águas de outro continente
em seu quintal.

Se depois procura abrigo
se saltita pelas poças, encharcada e com medo
se adentra à primeira embarcação, plausível
não me convém espionar.

 

Luiz Frazon é Educador Social na cidade de Ribeirão Preto, SP. Cursou letras, apesar de não concluir o curso e hoje faz bacharelado em Educação Física e Esporte pela USP. Coeditou o Zine “O circense” entre os anos de 2003 e 2007. Participou de algumas antologias poéticas, publicou seu primeiro livro de poemas, “Roçando água”, em 2009 e em outubro de 2017 seu segundo livro, O nome pela metade, pela Editora Patuá.

 

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