Janela Poética III

Meire Viana

 

Foto: María Tudela

 

sou a sombra de mim desmedida
enroscada nos remendos alinhavados do tecido gasto
imensurada nos cortes profundos
das fendas deixadas à mostra: carne sã
das brechas acidentais das saliências vãs
enlaçada nos egos que teimo em descosturar
eu,
vestida de outras texturas e outros textos
Nem me reconheço.

 

 

 

***

 

 

 

alago estiagem
inundo seco
transbordo rio
escoo ralo
Pra fora calo
Pra dentro falo

 

 

 

***

 

 

 

entediada
das falácias
falas pelos cotovelos
das tagare-tolices
dos verborrágicos
verbos raivosos
dos disse-me-disse e das blá blá blasfêmias
a palavra pede licença
e vai silenciar
no dicionário

 

 

 

***

 

 

 

diáfana
avoada
evaporada
em partículas
vocálicas:
Eis a palavra
fonemamente livre
das estruturas morfo-sintáticas
sem verbo
escrita e fala.
Sem aspas vírgula ponto
Sem rumo
Desenfreada
leva na mala
somente prefixos de negação
e oposição.

 

 

 

***

 

 

 

caminho curtortuoso
bifurcaçõestreitas
labirintoscos
estradatalho
poça dágua no meio:
atravesso e ando
atravessando
travessa
vereda
viela
vila
via
Paraliso
no piso
escorregadio
da esquina
me curvo à curva
desisto do risco
mantenho desestância
desvio
silencio
sou refém do espaço
refaço o passo.

 

 

 

***

 

 

 

Em tudo
entorno
em torno
contorno
em todo
retorno
em tudo
engodo
em torno
entulho
em todo
embrulho
em tudo
encolho
em torno
me encolho
todo

 

Meire Viana é professora de Português e Literatura, com Mestrado e Doutorado em Letras. É poeta experimental neoconcretista. Dialoga com o Concretismo, o Neoconcretismo e a Poesia Marginal dos anos 70, suas referências. Tem material inédito para publicação em livro, mas por ora é frequentadora de saraus poéticos na cidade. Mora em Fortaleza.

 

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1 comentário

  1. … em tudo em torno todo passo refeito afirmativo de fato é de prefixos e negações como o rio que ria e riacha…

    rio

    urromurromuromurmúrioriociomiomamalamalâminalaiocaiouro

    riacha

    rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
    iiiixxxxx
    ohhhh
    uuummmmmmmmmmmm
    ag-ag

    riacho

    faço tanta
    poesia sobre
    o mundo
    que o mundo
    se deita e não
    sabe se fui
    eu ou ele

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