Janela Poética III

Isabela Sancho

 

Desenho: Felipe Stefani

 

 

No sétimo subsolo
há um pequeno alçapão
para o inferno.

A luz que o transpassa
se parece com esta.
Para abri-lo
basta

empurrar com um pé.

 

 

 

***

 

 

 

Essas coisas parecidas
consigo,

eu me pareço
cada vez mais comigo

e me saturo.

A essa altura,
meu corpo em rusga
já me tem

como corpo estranho.

 

 

 

***

 

 

 

Autoimune, o nome
daquilo que tenho,

tão mágico, tão certeiro
quanto a leitura
de um velho horóscopo.

 

 

 

***

 

 

 

Se eu puder arrancar
de mim o que me faz mal,

o que sobrará?
Uma centelha de teimosia
em meio

a uma ventania

sobre o campo seco
de meus gotejos.

 

 

 

***

 

 

 

Venta
com a força de uma pergunta
prestes ao paraquedas

Tens certeza?
Ouça,

eu não vou me jogar fora.
Vou apenas me desfazer
da sacola.
Troco-a
por uma bobagem qualquer.

Eu a doo,

quero nada em troca.

 

 

 

 

***

 

 

 

Os dedos em pinça
de um asco

que não ignoro.

Eu não consigo abater
a sacola.
Tem o valor
e o nojo de dez relíquias.

Com suas unhas crescendo

depois de mortas.

 

 

 

***

 

 

 

As dobras afinadas pelo tempo
se destacam sozinhas

e o papel me vincula
a estes pertences.

Que espécie de documento
não tem nem mesmo
uma data?

Vinco-o com minhas dúvidas,
eu procuro

pelo meu nascimento.

 

Isabela Sancho nasceu em Campinas, em 1989. Integra o corpo de poetas do portal Fazia Poesia e segue o Curso Livre de Preparação do Escritor na Casa das Rosas. É autora e ilustradora dos livros de poemas “As flores se recusam” (Editora Patuá, 2018 – finalista no Prêmio Literário Glória de Sant’Anna 2019, Portugal) e “A depressão tem sete andares e um elevador” (Editora Penalux, 2019). Ainda em 2019, terá sua primeira plaquete publicada pela Editora Primata e seu terceiro livro pela Editora Urutau.

 

Clique para imprimir.

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *