Janela Poética III

Dalila Teles Veras

 

Imagem: Roberto Pitella

 

provisão

 

nas réstias
fugidias
a mariposa
tonta, voa
………….à roda
………….à roda

sombras
sobradas
da tarde

efêmeros
desenhos
ilusões
de luz

provisão
……/
acalanto

para a noite
insone
que se avizinha

 

 

 

***

 

 

 

morte asséptica

 

nos hospitais
a morte
chega
de madrugada
(morte asséptica
morte a sós)

pela manhã, o
comunicado
e (a seco)
as instruções

o corpo
a burocracia do corpo

a família
:
diante do nada

 

 

 

***

 

 

 

poeminha pseudomístico

 

confrontar-se
com o invisível

(pedras
,,,,,,,x
entidades)

embate
nas trevas
arrepio
(sinais?)

 

 

 

***

 

 

 

sob os ditames do (meu) tempo

 

experimento
desconfio
testo
provo
entranho
arcaísmos e tecnologia
manuscritos e digitação
papel, cartas, selos
blog, e-mail msg
whatsapp, live
alternâncias
velocidades

minha alma
antiga
protesta
a consciência deste
tempo me diz
:
problematizar
(para compreender)

 

 

 

***

 

 

 

marinhas

 

Mas, se vamos despertando
Cala a voz, e há só o mar
Fernando Pessoa

 

havia manhãs
em que, ao abrir da janela
era só o mar e o mar
………………………o mar
………………………o mar
………………………o mar
aqui e além, barcos
quebravam em dois
o azul
inauguravam o branco
desenhavam a espuma

e não havia palavras
só as ondas
.,,,….as ondas
..,,,…as ondas

via, ouvia
………….calava

 

 

 

***

 

 

 

esquecimento pela fé

 

romecleide, a diarista
arrimo de família, marido
bêbado e desempregado
sete filhos, agora cinco
enlouqueceu pela primeira vez
quando perdeu duas filhas
no passeio à praia grande
(afogamento)

pelos vizinhos evangélicos
confortada, rendeu-se à fé
e aos ditames canônicos

romecleide, a neopastora
(a casa transformada em templo)
prega
a fé que lhe foi ensinada

prega e esquece
esquece e prega
pregada que está
na segunda loucura

 

Dalila Teles Veras, nascida em Portugal, vive no Brasil desde a infância. Escritora, editora e ativista cultural. Publicou mais de duas dezenas de livros nos gêneros poesia, crônica e ensaio:  “tempo em fúria”, 2019, “a mulher antiga”, 2017; “SETENTA anos poemas leitores”, poemas escolhidos por 70 leitores, por ocasião dos seus 70 anos, 2016, “solidões da memória”, 2015 e “estranhas formas de vida”, 2013, os mais recentes, todos de poesia.    Dirige a Alpharrabio Livraria, Editora e Espaço Cultural, em Santo André – SP, desde 1992.

 

 

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