Janela Poética III

Luciana Moraes

 

Foto: Marcelo Leal

 

00:00 ou À Meia-noite

 

Devorar as cores em nós, destacar outro tema para o futuro. Hoje, vai
transplantar a palavra que não acordou no corpo inteiro. Passos, no
corpo inteiro, as mais de cem mil vidas, agora, Silenciadas. Inaceitável:
esquecer o dia em que se nasceu (corpo inteiro). Na profundidade de
11km, numa fossa do Oceano Pacífico, a vida quer ser Plenos pulmões, lá
onde o jogo esteja vencido pelo suspirar.
Rente ao chão, nada com os pés, continua assim: inatingível,
distanciado, limítrofe: o natural é já um mistério e AR. Boca aberta,
marulhando ~ ~ ~ faz parte do tempo enevoado. Se encara talvez tanja os
in.vi..ve.is
………………………………………………….g.r.ã.os

 

 

 

***

 

 

 

Compenetrado olhar do Abismo

 

A meta do veado alvejado
é ser mutação e desova
desencarne das flechas
numa ação Cor de Ouro

Não há beleza nem altura maior
do que suas Quatro pernas abertas
empostadas no caminho
galopando o idílico desconhecido
Ressurgindo…

Ele comporta o peso (é)
depois mais nada:
leve e sereno pu(lu)lar de páginas

Como se a chuva
__________________ se expandindo
e toda gota lavando
a dureza da fibra na Cabeça

A ferida na vida
Pausa de quem recebeu Nove
flechas rasteiras cravadas
na carcaça mais fina

gritante e certa
que pudemos
V E R

 

 

 

***

 

 

 

Peregrino no PandeMundo

 

Tu não lês o trabalho deste sangue
corpo catando sonhos reciclados

Tem que abrir a janela para ver

Ar noticiando o fim do começo,
pois só há possibilidade de
início no fim dos
meios-limites

Uma coisa infinita a cada dia
Aqui morre também

O das ossadas, O da carne viva
……se faz
Cotidianamente em seu jardim
, cintilante e cariado,

Nosso pranto inoculado do Agora
Corpos jovens ou não
Garranchos e papagaios de toda
….c………..o……………r

 

 

 

***

 

 

 

Sobre atravessar o horizonte partido

 

Há fome desde a Antera,
onde se poliniza galáxias
Há flor de ideias na tinta espacial
chegando ao exoesqueleto e
em nosso túnel compacto roçando
claras espirais

Se palavra é gasta, sombra túmida de si
malícias negam desfibrilação de estrelas
demônio-um representante
saturação de cores invertidas num dragão marítimo
branco, pouco comum ao olho nu

Nossos pássaros inquilinos
frementes, em desvio
colisão da vida que pulsa
em nós, sem pergunta

Se o peixe feroz, informe e ilegível à claridade
Leviatã New-artífice do exício
do enredo sem rumo
cria o mundo anônimo
noite em todo o corpo, debalde,
carregando as rédeas do tempo nas compotas
de falácias
As sépalas em preto em branco contraem o passado
e assumem a sustentação de toda a flor até o estigma central
parem borboletas luzentes
mitológico sabor do vento
yvytu em zênite
tu e tal e tal e tu
formam-se tessituras de vida

Entre uma cabeça de serpente e outra
não ponderando termos
carregando em sua joia ruína
sua mortal comprovação

 

 

 

***

 

 

 

Tigre de Champawat

 

Quando a chuva
perde sua cor marrom
e tocamos no mistério
de suas entranhas de tigre
o sangue cristalino revela
numerosos feixes de luz
abrigando nossos desenganos

Na claridade do desamparo
ainda tiros intrépidos
e desenfreados
pelas vítimas que ainda vemos
em nosso Habitat

é doloroso morrer, e ainda morremos
porque não somos tigres

 

 

 

***

 

 

 

Rastro 8

 

Após o silêncio
a mulher falava com o sangue
Ela: céu e terra
com a ternura em sua face
sempre se
ajustando
à fala do sangue

Após o sono
na manhã
sem cabelo
com sangue
sem sono

Após o silêncio
seus gestos bailavam os braços
e entravam na Odisseia
entrementes

 

 

 

***

 

 

 

No decorrer da noite

 

Agapanto no peito. Uma Ofélia em água funda. Ainda viva.
Na fuga de novembro. Rasgos de mim.
Mesmo assim, amiga das procelas em fúria.
Uma nova janela aberta. O dossel ao vento nos espalha.
[ Juntas passeamos nas cinzas.

(Você não finda)
Nemorosos
vaga-lumes

 

Luciana Moraes (1993) é poeta carioca, graduada em Letras pela Unirio. Integra a equipe do portal “Fazia Poesia” e o coletivo “Escreviventes”, pesquisa o figurativo do inominável e o hibridismo nas artes extemporâneas, além de atuar como revisora e tradutora literária. Foi tardiamente diagnosticada, no final de 2023, com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Participou do coletivo “Oficina Experimental de Poesia” (2017-2018). Tem poemas publicados em revistas como “Mallarmargens”, “Capivara”, “Aboio”, “Caxangá”, “Torquato”, “Cassandra”, “Letras Salvajes”, “Zunái”, “ONavalhista”, entre outras. Seus livros: “Tentei chegar aqui com estas mãos” (2022) e “Flor de sangue” (2024).

 

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