Janela Poética IV

Lílian Almeida

 

Ilustração: Ana Luiza Tavares

 

Crisálida

 

Grávida do ser que me habita
vou parir a mim mesma.
Outra.

Quando a lua anunciar negruras
já serei o que sou.

Mariposas cintilam lilases
voos e auroras.

 

 

 

***

 

 

 

Costuro palavras
no assoalho dos dias
a ver se liberto
os pés
de existir entre homens.

 

 

 

***

 

 

 

Fênix

 

Para Rita Santana

 

No chão, os meus restantes.
Estatelei-me no voo.
Esfacelada, a altura era o solo.
Uma asa esmagada
um pé quebrado
os olhos parados
o tronco desconjuntado.
Restantes em fragmento do que te dei inteiro.

Recolhi as partes.
Lavei com lágrimas
sequei com rotos sorrisos.
Secreto unguentos de sangue e muco
e cicatrizo os cortes.
Suturo as dores com o preto fio dos meus cabelos
para deixar marcado, no corpo da fênix,
a porção mulher que há em mim.

 

 

 

***

 

 

 

Abaeté

 

A água escorre dos olhos
sobre a face escura.

A água escorre das roupas
dentro das mãos negras.

Escorre dos olhos
das mãos da mulher
a dor dos dias.

A água escura da lagoa
lava as roupas
e a alma.

 

 

 

***

 

 

 

De cor

 

na cidade alba
os olhos brilham retinas cegas.

entre alvos passos
e braços
o invisível caminha.

 

 

 

***

 

 

 

Cio

 

A fêmea exala
o cheiro rubro
da vida

 

 

Baiana de Salvador, Lílian Almeida é professora adjunta na Universidade do Estado da Bahia e doutora em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Participa de “Além dos quartos: coletânea erótica negra Louva Deusas”, “CartoGRAFIAS” (Funceb) e “Profundanças 2: antologia literária e fotográfica”. Publicou “Todas as cartas de amor” (ficção) em 2014, pela Editora Quarteto. Venceu o prêmio Edital Caramurê de Literatura 2019 com o livro “Pulsares”.

 

 

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