Laisa Kaos
A+
Minha cara trazia segredos pálidos
Ouvia de longe os passos arrastados no corredor
Todos curando suas dores aos gritos
Havia um corredor de azulejos brancos
Cada quadrado com seu cheiro de éter
A cara da morte me dava beijos frios na espinha
Passava quase sexualmente a língua pelo meu rosto gelado
E se lambuzava com o pavor que escorria da minha testa
Acordo.
Foi um sonho ruim. Ainda.
***
39
Quis sair da fossa. Mas não.
Preferi mergulhar
Escancarar até o pescoço
Afogar soltando espumas
Rasgada, afundada, assumida
Dor cravada na carne é pior que gripe mal curada
(e ambas causam um mal terrível para os pulmões)
E eu.
Morro de medo de morrer.
Ou viver sufocada.
***
ESPASMO (PARA LER COMO QUISER)
Em mim tudo é escândalo
Histeria
Doença nervosa
Convulsão uterina
O afago afoga
O peito berra
O abraço sufoca
O corpo inunda
Em mim tudo é múltiplo
De sofrimentos a orgasmos.
***
Lábios abertos
Poros abertos
Peito rasgado
E a poesia – vida – corrente
Que me pulsa
Ventre
Adentro
***
(PARA OS MEUS 50 ANOS)
Se soubesses tu dessa tal inquietude
Engoliria com afinco
Todas as inseguranças que não te cabem
E guardaria para mim a tua pele
Não tão pura, não tão calma, não tão minha
Leve como tudo breve
Por onde passei lábio e língua
Tatuando em ti baixos poemas
E gozos d’alma.
***
Carta de não-amor para um não poeta
Síndrome
Bukowskiana
Contemporânea
Quarentenária
Só que sem a originalidade.
Já que a mesma morreu lá em 1994.
Desculpe “baby”
Sofro da mesma síndrome
Mas assumo somente a parte da sinceridade
E possível alcoolismo
Não existe fé no sucesso póstumo
Não existe fé nas leituras pagas
Não existe fé.
Só o amargo da verdade me convence.
Mas não existe fé
Nas tuas
Verdades.
Laisa Kaos é poeta e publicou “Lábio Aberto”, seu primeiro livro, em 2019. Nascida em Belém do Pará, graduou-se em história e cedo encantou-se pelas possibilidades das palavras e das artes. Mudou-se para São Paulo, onde estudou as expressões artísticas. Atualmente é pós-graduanda do Instituto Federal de São Paulo e trabalha em seu segundo livro.