Wesley Peres
tatuagem
sonora nº2 para
criança de seis
anos e oboé
……………………….O HOMEM COISA CÓDIGO alguma
invertebração recifra a angústia substância limítrofe
e análoga ao silencioso gozo sonoro em sua morte
instilada nos poros gemidos bordas erógenas fazem
vibrar os átomos até sangrarem também o lugar do
corpus da palavra minério inervado resto vivo o
nada dos corpos ancestrais, rastros ventos pássaros
passaram alando túmulos de cadáveres vivos:
palavras. Gerações passadas restos de cotidiano e
restos pelos sonhos sonoras vertebrações em
vértebras vértices remoendo o corpo parolando com
a morte esse eutro na sala enquanto o meu pó da pele
ele se iluminam de objetos
***
atoms at work
para Campos de Carvalho
A maçã sobre a cadeira.
Uma noite, dentro da maçã.
A criança, sequer vê o vento,
senta-se, trincando a noite
da matéria
(Os cães, sim, latem —
..os únicos a escutarem o instante
..em que o mundo se torna o mesmo).
Um homem esperando o trem
adivinha a criança
é mais feliz do que o outro
aguardando a eternidade.
A chuva imóvel contém
nossos possíveis passos.
A infância é mesmo indestrutível.
***
Poema gerado de implosões do
Levítico e de impressões
deixadas por haver acontecido
o que não acontece em Goiânia
1987
E ACONTECEU O QUE NÃO ACONTECE E DESCOBRIU-SE QUE AS foices
também podem ser azuis e foi um pássaro amitológico mortoabertorasgado
pela invisível lâmina azul que simulava cidade vista de cima e à noite no corpo nu
da mulher de longos cabelos dona do pássaro amitológico mortoabertorasgado
e foi na cidade de sol sólido e em setembro e o sol sólido da cidade e tudo
permanecia quando alguma pessoa tocar em corpo morto ainda que não
soubesse, contudo será ele imundo e culpado. Culpada, esse o veredicto dado
pelo polvo de mãos alando e espedaçando lápides sobre o caixão da menina
eviscerada pelo azul que não se vê. Porém pode-se usar da gordura de corpo
morto, e da gordura do dilacerado por feras, para toda a obra, mas de nenhuma
maneira a comereis. Invisível e sem cheirodor esse azul esse maldororazul que
captura vísceras e lambe-lambeu por dentro o corpo da menina eviscerada e
apedrejada por vozes uma verdadeira aletria sonora corpodecão outros
vitupérios singulares e plurais. E aquilo sobre o que cair alguma parte de seu
corpo morto, será imundo; o forno e o vaso de barro serão quebrados; imundos
são. E quem comer do seu cadáver lavará as suas vestes, e será imundo até à
tarde; e quem levar o seu corpo morto lavará as suas vestes e será imundo até à
tarde. E todo o homem entre os naturais, ou entre estrangeiros, que comer
corpo morto ou dilacerado, lavará as suas vestes e se banhará com água e será
imundo até à tarde e depois será limpo. E devorada de azul e pedras e
vitupérios tentaram fazê-la ela a menina eviscerada morrer uma segunda vez,
assim como Judas morreu uma segunda morte ao trair Cristo antes mesmo de
morrer a primeira. O corpo morto e o dilacerado não comerá, para que não se
contamine com ele.
***
AGORA SÓ ELA E SUA CAMA SÓ ELA E seu
corpo decalcado na cama. Fala decerto a
língua dos mortos, decerto menos deserta do
que a língua dos vivos. Ela, só, na casa-de-
receber-enfermos. Enfermo, essa palavra.
Recobre apascenta a boca da palavra ausente.
(O homem crê em Deus e nas pedras. Sonhou
a clareza de seus olhos implodidos densos de
um imenso sol soletrado pelo calmo ninguém
que habita o homem só com o seu corpo).
***
HOMEM, SUAS MORTES
iluminam Deus e os seus restos.
Guardo-me em qualquer silêncio.
Coleciono matérias.
O corpo é um Deus sem nome.
***
FALAR É OUVIR O VÔO DE UM pássaro que
não há, deslocar Deus de casa e não dar
nome. Falar é experimentar entre o olho e a
coisa dada o que há não há. E o pássaro que
voa, voa na polpa seca da chuva que aresta
os sonhos. Falar é haver morrido, tocar
outra voz.
Wesley Peres é escritor e psicanalista. Autor de As Pequenas Mortes (Rocco), Casa entre Vértebras (Record), Corpo de uma Voz Despedaçada (Martelo Casa Editorial), dentre outros. Mora em Catalão-GO