Alex Simões
cama de gato
nas voltas
que a poesia
nos dá
nos laços
e
nos nós
nas amarras
e
nos desenlaces
nas cordas
e
nas codas
eu faço versos como quem
faz uma cama
de gato
***
o albatroz brasileiro
para Paquito
um albatroz-de-sobrancelha-negra é o mais
brasileiro albatroz porque é tão malandro,
a ponto de ganhar a alcunha por meandros
tais, que coloca em xeque se irracionais
são eles ou se somos nós. senão, vejamos:
ele plana o litoral de Sul ao Sudeste,
mas jamais pousa no solo do Brasil, este
belo animal alado e baudelairiano.
talvez por precaução à fama de trollagem
que dão aos brasileiros em outras paisagens,
o pássaro sambou na rixa com a Argentina.
ganhou fama de ser o Albatroz do Brasil
de onde só se vê riscando o céu de anil,
mas só relaxa e pousa nas Ilhas Malvinas.
***
aquele que convoca uma assembleia
não há nada de novo sob o sol.
depois do coronavírus nos dar
tantos golpes, ceifar tantas possíveis
uniões afetivas, reuniões
fraternais, festas de tantas linguagens
artísticas, estamos nós aqui,
os que sobrevivemos, recontando
histórias dos que nos antecederam
para que nos iluminem, apesar
do horror, a memória e um inclemente sol.
***
QU4DR1LHA
João marcava Teresa que enviava a Raimundo
Num direct pra Maria que zapeava Joaquim que tuitava para Lili
Que não dava match com ninguém.
Raimundo, Maria, Joaquim e Lili estão em isolamento social
Marcando nas publicações e enviando para o zap que marcaram J. Pinto Fernandes
Que não tinha visualizado o Stories.
***
sonetos metidos a ingleses I
para Natan Barreto
falava 26 nesse teu sonho nosso.
talvez não fosse só dos meus alunos em
viagem além-mar em direção à Ítaca
saxônica. talvez fosse eu balbuciando
que o afeto, uma vez instaurado, jamais
se degenerará. se se perdeu, não houve.
e sinto que aqui há. o canto das sereias
da Ilha de Avalon tentou nos encantar.
mas não cantaram em vão, porque as escutamos
e dançamos a sós, cada um em seu sonho,
copiando em log books as notas dos solfejos.
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astrolábio de sete faces (6a face)
fórmula: sangue, saliva, fio de cabelo ou sêmen, líquido amniótico, ossos, face, cu, dentre outros tecidos, entulho de amante, musa, silêncio, problemas, oxigênio, tapa-buraco, permissão progressiva, triz, sigilo, troca de segredos, treda ao lado, tecnologia, contas para viver melhor, conexos e conexões, odum, incêndio, puta dor, fúria e alta tensão no mundo, todos temos. no meu corpo, o canto.
Alex Simões é poeta e performer. Tem quatro livros publicados e uma série de poemas em antologias, coletâneas, revistas e sites nacionais e internacionais. Participa de importantes saraus, festivais literários e eventos multilinguagens na Bahia e fora dela desde os anos 90. No dia 5 de dezembro vai lançar “no meu corpo o canto: #experimentoscomletrasurbanas”, livro de artista em coautoria com o Coletivo Tanto Criações Compartilhadas.