Janela Poética IV

Leonardo Bachiega

 

Foto: Joice Kreiss

 

brincando de equilíbrio

espelhado em ee cummings

 

como se não bastasse olhar
de olhos fechados
as tuas palavras em malvas
o que há dentro do limo
que um mistério não cure…
sob uma locomotiva cuspindo violetas*
o amor está
…onde o desenham
nalgum lugar
em que nunca estive*

 

* Sampler de um poema de ee cummings

 

 

 

***

 

 

 

uma pessoa normal

 

você tem noite nos dedos
rindo ironicamente como uma
esferográfica que borra
nós somos cobrados por nossos resultados
a tua ausência de alguma forma
sempre me fez escrever
um pouco mais sobre o mar
se o céu tivesse uma lua
você se arrependeria naquele momento
até te olhares no espelho… dizer
tu poderias ter sido uma pessoa melhor
mas fostes a ti mesmo

 

 

 

***

 

 

 

sempre

 

um soneto de Shakespeare
amolece um muro
em favos de uma meia – noite
neste apego à letra
o desejo de apertar o céu
de cada dia
um pouco além

 

 

 

***

 

 

 

ao parar

 

há um desfiladeiro nos teus olhos
a que eu chamo eternidade
tua voz seria uma grama que se move
nada mais caberá
do que aprouver em mim cabe em asa
ainda me abre

 

 

 

***

 

 

 

sobre a ternura

 

falo de amor apenas
com os olhos saídos de areias imaginadas
céu de durar poucas violetas
e saúvas no sol da terra
debaixo da noite saudável
sempre repousa uma estrela órfã
como quando se decide habitar na solidão para viver
morar futuros humanos
morrer sob os passos de alguma fera

eu entendo o amor
como um pássaro que sobrevoa
um país extinto
e não consegue nos ver

 

 

 

***

 

 

 

Entreabre

 

a grama é uma trepadeira que ao cair
desajeitada
ficou no chão para sempre
o relento é a folha vestida de seda
transparente cada folha desfalece

 

Leonardo Bachiega é arquiteto, urbanista, poeta e dramaturgo, nascido em São Paulo, hoje reside próximo à capital paulista. É autor de alguns livros de poesia e um de dramaturgia, possui poemas publicados em diversas revistas literárias do Brasil e Portugal. Os poemas desta leva estão no livro “Solfejo de Cores”, publicado em 2021. Fernando Pessoa é seu poeta da vida.

 

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