Janela Poética IV

Julia Bac

 

Foto: Yuri Bittar

 

este poema é sobre uma mala. na verdade, este poema é sobre uma mala que cansei de carregar. talvez este poema seja sobre o peso da mala talvez este poema seja sobre a falta de espaço pra guardar esta mala talvez este poema seja sobre o dono da mala talvez este poema seja sobre as coisas de dentro da mala talvez este poema seja sobre as lembranças que tenho ao ver os objetos de dentro da mala talvez este poema seja sobre as rodinhas da mala que não funcionam talvez este poema seja sobre a minha vontade de não ter mais esta mala. te entrego a mala agora. acabou o poema.

 

 

 

***

 

 

 

como é que eu não vi o espelho quebrado eu não vi o sofá rasgado eu não vi não vi o queixo que se deslocava sem controle eu não vi a euforia não vi as compras exageradas eu não vi não vi a pupila dilatada eu não vi a água do chuveiro que não parava de cair mais um banho eu não vi não vi a nota de dez enrolada eu não vi como é que eu não vi quando esvaziei um papelete cheio na privada eu não vi as ligações fora de hora a voz molhada eu não vi o dinheiro que sumiu alguém me roubou eu não vi a insônia eu não vi como é que eu não vi eu não vi eu não vi eu não vi não sei eu não vi.

 

 

 

***

 

 

 

como Klein
cada poema
é um salto no vazio,
mãe.
cada ano
mais alguns
“o que acharia disso”,
mãe.
há 5 anos
a cada enjambement
celebro o silêncio
como Klein
no seu salto no vazio,
mãe.
continuo sendo aquele
bicho híbrido
meio pato meio pássaro,
mãe.
é isso
por enquanto
é isso,
mãe.

 

 

 

***

 

 

 

a imagem é
de um touro
imenso
nem seu peso
seu porte
ou força
são maiores
que a agilidade
da alcateia
queria ser um
dos lobos
hoje tô mais
pra um touro
sozinho
imenso e frágil.

 

 

 

***

 

 

 

apesar de gostar
de saber o peso
dos alimentos
aqui já não se
compra nada a granel
não vale a pena
também não se
pede porções grandes
nem nada que
dure muito tempo
não levo promoção
2 a preço de 1
aqui é só
pra 1 mesmo.

 

 

 

***

 

 

 

corto um tomate
ao meio fazendo
uma incisão perpendicular
abro a fruta
e vejo que parece
um pulmão
e o que me diferencia
dos tomates
entre outras coisas
é que respiro.

 

Julia Bac (1982) nasceu em São Paulo. É formada em História (PUC/SP, 2004), em Artes Visuais (Centro Universitário Belas Artes/SP, 2009), e mestre em Arte e Patrimônio (Maastricht University, Holanda, 2011). Na área literária, se formou no núcleo de ficção do Curso de Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz (SP/2018) e no CLIPE/Poesia da Casa das Rosas (SP/2017). Publicou o livro “duas mortes” pela editora 7letras (2021).

 

Clique para imprimir.

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *