Bianca Monteiro Garcia
PÊNDULO DE FOUCAULT
deitada na poltrona de frente pra cama
ensaio um luto te vejo segurando um pedaço
de amora adormecida com as mãos no abdômen
carrego no peito um pêndulo estático
e atento aos teus ponteiros
varro os olhos pela casa e a casa despeja
uma canção sem resposta:
tua pele este tronco de madeira antiga
será capaz de carregar ainda
a textura do teu tempo
quando a raposa que à noite te fareja pela janela
decidir enfim saltar em tuas pernas?
o ruído que tua pleura orquestra
ferve na sola dos meus pés um aviso
a noite se esconde da aurora
e o rastro deixado pela areia
forma um longo tapete antiderrapante
a raposa mais uma vez adormece
debruçada nas patas de um cavalo
***
QUANTO AO QUARTO BALDIO
tão irônico este quarto
com estes lençóis branquíssimos
impedindo a poeira a olho nu
embora persistente debaixo do nariz
a parede alva e sóbria adornada
uma longa flâmula vermelha
e dentro
uma citação de madre teresa
– paz
– longevidade
– amor
– paciência
fincado ao leito
o silêncio decora tudo com letargia e raízes
tão irônica esta cama sem cabeceira
presa à parede e ao chão
a cinco passos de uma porta sem fechadura
encostada por um chinelo preso em sua fresta
meu único alarme de segurança
ontem mesmo uma vizinha às 2h da manhã
tensa como as cordas de um violino
pediu pra dormir embaixo da minha cama
por medo da colega de quarto
atacá-la com o pente de cabelo
qualquer um pode invadir o espaço
até o vento entra sem permissão
e eu mesmo sem precisar de chave
não consigo sair à revelia
***
HIPOCONDRIA
cresci rodeada de plantas de plástico
não me lembro de arnica em machucados
a mesa da cozinha
sempre costurada por uma mini-farmácia
nimesulida paracetamol privina
hoje teimo fazer sabonetes de argila
e vitaminas de banana com linhaça
***
RELEASE
acordo com 25 anos e olheiras salgadas
preciso logo-logo mexer nas pastas
as máquinas me perguntam
– tua data de nascimento
– o nome do pai
– o nome da mãe
– os três primeiros dígitos do cpf
as máquinas me questionam sem pudor
eu lembro, pai
durante os almoços de sábado
das nossas conversas atravessando o som
do rádio
de como as mexericas são
pequeninas
de como as tangerinas são
grandonas
perto de ti eu era eterna
criança
que dormia com as mãos cruzadas no peito
e pedia a um deus qualquer que fizesse do pai
um guerreiro imortal
como highlander
mas sem morte no final
oh dear dad can you see me now?
i am myself like you somehow
***
TRIAGEM
cymbalta para suposta fibromialgia
aos 14 esporadicamente alprazolam
aos 16 nos dias de insônia clonazepam
depakote receitado devidamente aos 20
aos 21 a cama dobra de tamanho com lioram
para queda brusca de libido e apatia de sobra:
oxalato de escitalopram
o coringa do hospital psiquiátrico:
sertralina e quetiapina
não peça s.o.s na enfermaria
Bianca Monteiro Garcia nasceu em 1994, no subúrbio carioca, onde vive desde então. Fundou a Macabéa Edições em 2019, editora focada em publicar autoras mulheres de diversas regiões do país. Publicou “breve ato de descascar laranjas”, seu primeiro livro, em 2023, que foi agraciado com o Prêmio Jabuti 2024, no Eixo Inovação, categoria Escritor Estreante – Poesia. Lançado em parceria de coedição entre Macabéa Edições e 7letras, o livro fala sobre luto, loucura e solidão. Participou do World Poetry Day Festival, de Washington, representando a jovem poesia brasileira, em março de 2024. Em janeiro do mesmo ano, integrou a publicação La Juventud de la poesía en Brasil: muestra de poesía contemporánea, da Fundación Cultural Esteros (Uruguay – Argentina).