Janela Poética V

Valeska Brinkmann

 

Foto: Almir Bindilatti

 

Querer nada pouco

 

Beber montanhas
escalar mares
marejar segredos
segredar amor
amar ideias
idealizar vida
regenerar árvores
arvorecer ruas
abstecer sóis
ensolarar janelas
abrir livros
livrar deuses
endeusar Terra
plantar palavra.

 

 

 

***

 

 

 

Eu sou bicho

 

eu sou bicho
sou cavalo, sou cachorro
sou alce, sou raposa
ando pelos prados e bosques
por ruas e becos
na noite fria
corro pela beira do mar
meu sangue é tinto
meu corpo é quente
a palavra é só um eco.

 

 

 

***

 

 

 

Na praia com pedras

 

na praia com pedras
dois caranguejos e um cachorro
brincavam
eu era um menino pequeno,
me lembro bem
a onda passava por cima
dos caranguejos
minhas pupilas negras
cheias de ondas do mar
os olhos dos caranguejos
duas bolinhas molhadas
as pupilas escuras do cão
globos sensíveis de lágrimas salgadas
Um casal sacudia a toalha
de praia
mais para trás
por causa do avanço do mar

 

 

 

***

 

 

 

É que hoje não dá mais para

 

ficar ofendendo
ficar insultando
ficar engolindo
sair atirando
ser racista
ser misógino
ser fascista
ficar incógnito
ser cínico
compactuar
achar que tudo foi lula
quando no gabinete senta agora uma mula
(Sem cabeça)
simular que está tudo bem
crer que o problema é além
fingir que a lama do rio é natural
achar que o loiro é angelical
acabar com a natureza
dar razão ao ministro
confiar num sinistro
não demarcar T.I.
sair cortando mato por aí
roubar verba de escola e universidade
abrir alas para a calamidade
é que não dá mais
não dá mais para
só aliviar a coceira
epiderme cheia de verme
não dá mais a parvoíce.

 

 

 

***

 

 

 

Vazio dentro de mim

 

vazio dentro de mim
pau-oco, vácuo, limbo
o espaço entre dois vagões de trem
bateria descarregada
me sinto arriada
quando vai passar?
quando vai voltar o ânimo?

não tenho medo do monstro
ele só faz eu querer
vomitar

Não é ensaio
é a cegueira mesmo.
E o que brecht escreveu em 1938
vale agora 2018
poeta alemão me consola e
uma música do tom:
é o fim do caminho
é pau…tanta paulada

 

 

 

***

 

 

 

Poema sobre dor

 

a foto que vi no jornal
me doeu como um soco
no estômago
o menino de quatro anos
afogado
na beira
de um mar
seu pequeno corpo estendido
sua pequena alma voando

pessoas fugindo
da dor e do medo
em barcos infláveis
cheios de pessoas
fugindo da dor do medo

um soco no teu estômago
topada no joelho, pancada na cabeça
a bomba
e o medo da dor não ter fim

 

Valeska Brinkmann nasceu em Santos, 1972. Estudou Radio e TV na FAAP (SP). Escreve histórias para crianças, contos e poemas, tem textos em Antologias na Alemanha, Brasil, e Portugal e em sites literários como Stadtsprache Magazin, Literaturabr, escamandro (traduçoes). É integrante do coletivo GLENSE (guerrilha literária espontânea na sala de estar. Publicou em 2016 O livro infantil bilíngue “Pedrina- a perua que queria ser pavão” pela editora Bübül Verlag Berlin.

 

 

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