Janela Poética V

Fernanda Nali

 

Foto: Hermes Polycarpo

 

I.

Tocam, as mãos – esse aparato para o tato
o meneável frênulo – primeira manufatura
E dedilham, como abertura, o úmido períneo
inundando os vasos e nervos
de assoalho tão delicado.

A palma abraça o prepúcio: esse movimento lavrado
modula a temperatura das manilhas e falo
Como instrumento meu, corda e sopro
toco também com a boca
dentro o membro, prenhe, dura.

A língua, à viscosa água, saliva:
_Arfa. Espasma. Goza.
Chama o meu nome.
Depois reclame que me abra
sobre a carne, novamente, dura.

 

II.

Encontram os pés – planta semeadura em solo
um outro casco – pele fora da pele
e desliza o dorso, em toque pouco preciso
de metatarsos e falanges, nessa espessura
tateando, entre sono e vigília, nas rachaduras
a anatomia de estranhos calcanhares.

Os ossos livres das dimensões do sapato
amoldados na entre curvatura do arco
como concha, nessa postura se ajustam
vacilam no movimento, como pêndulo
nas margens até encostarem, titubeosos
as dobras de desconhecidos dedos.

Essa fricção em estrutura tão íntima
é deambulação por todo corpo – ranhura
marcando sobre um palimpsesto
a fundação de uma arquitetura segura.

 

III.

Arde sobre escorpião a minha prematura fome
farejo sob a armadura, onça descendo a rugosa fundura
tensionando_ rastro aroma sombra pureza, e encontra:
_dá-me a via do excesso, há anos-luz tem que espero
sóbria penetro com os dedos e retenho: esse antigo desejo
e já o encontro pronto, labirinto aberto sem pejo
mandíbulas na cartilagem tudo a minha boca come
sobre o teu sexo tocando a minha voz implora
que venha dentro: fecunda primeiro a última dobra
e cresço madura em seiva bruta folha nova.

 

IV.

Dobram-se as costas – como garças canoas
em remanso abandonadas, os braços remos
distraídos tocando, minúcia, leveza, delícia
a superfície de águas sopesadas, o descanso

Mas somente depois de força e loucura
essa dobradura se aceita: porque o amor
não compreende brandura que não seja
impudência arrefecida mornando alheia
sobre todas as nossas profundas fissuras.

 

V.

Repousa o pescoço sobre a fímbria do colo
[o faro preparado para todos os ciclos do cio]
as pernas arqueiam uma moldura para os quadris
é breve esse intervalo.

O ombro como alavanca se inclina e acrobata
[é a intimidade inesperada tua singular diferença]
junto à cintura sincroniza a rotação das vértebras
até a extensão dos braços.

De joelhos me segura de quatro, como potro bravo
É por trás que captura a cavidade e me suspende à altura
grassando absurdo e teso mais perto dos testículos
uma pintura na projeção do espelho.

Sobre os cotovelos suporto o peso, a tortura de tê-lo
no equilíbrio instável dos artelhos e sob o teu nariz
me devolve ao mundo mais madura e safo
sempre por um triz.

 

Fernanda Nali nasceu em Vitória, ES. É autora de “território inominado” (Cousa, 2018, Prêmio de Obras Literárias da Secretaria de Cultura do Governo do Estado Espírito Santo),  atua na elaboração e execução de projetos culturais e cursa doutorado no programa de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP. 

 

 

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