Janela Poética V

Cristiano Silva Rato

 

Desenho: Geometria da palavra

 

Venha até mim

 

Como é ridículo falar amor
E, belo, falar dor.
Ah, duas palavras, rimam,
mas uma é água
e a outra é lama sufocando lentamente o rio.

Ah! Por que querem que eu fale sobre o ódio?
Quero dizer coisas ridículas,
que esta raiva passe
e gritar pelado, pelas avenidas, ruas e becos
Amor,
Amor, venha me salvar da selva,
venha salvar meu corpo caído
estancar o sangue que corre como lama
por este buraco de bala.

 

 

 

 

***

 

 

 

 

Sem resposta

 

Sei, estou fora do tom,
do dom
da porra toda.

Recomeçar é difícil
como uma cãibra
no meio da madrugada
enquanto se dorme.

Mas não movo
um dedo.
Observo
toda a velocidade
os amigos que saem,
as pessoas que se vão

Estou no centro
não sou ninguém.
Quem é você?
Me perguntam.
Eu sou uma selfie muda.

 

 

 

 

***

 

 

 

 

Para os fracos

 

Nesta época
não se pode fazer poemas de amor,
temos que ser fortes
e sentimentos não combinam com a luta.
Tempos de guerra,
tempo líquido, gasoso, sem piedade.
De venenos destilados,
jogados em passeatas.
Mas me recuso, tudo me afeta,
a falta, a presença,
os raios de sol,
os sorrisos que não tenho mais.
O amor é para os fracos,
para os pobres,
para os que perderam,
para quem nunca teve,
aqueles que não conseguem dizer uma palavra
sem lembrar da sensação de um beijo.

 

 

 

 

***

 

 

 

 

Dormente

 

Outra noite, e algo estava perdido,
minha consciência já não existia mais,
não era eu.
Você pode me odiar
me ridicularizar,
mas minha mente se foi,
eu não lembro.

Outro dia,
o álcool já não fazia mais efeito,
a cocaína já não era tão boa assim,
o thc já não me acalmava,
minha alma já não era minha,
eu não lembro,
minha mente se foi.

 

 

 

 

***

 

 

 

 

… 1

 

Não me agradeça
repetidas vezes.
Não diga obrigado
quando eu lhe entregar as chaves.
Não diga obrigado
quando eu lhe der uma palavra.
Não diga nada,
não me olhe nos olhos.
Não ouço mais as revoadas de pássaros,
os latidos.
Eu não tenho mais que levantar,
não consigo mais.
Não me agradeça,
eu sinto um grito agudo,
uma canção de Dylan
e lágrimas,
acho que estou mole,
hoje em mim bate um silêncio,
não quero mais poesia e
palavras em
primeira
pessoa.

 

Cristiano Silva Rato é autor de “Todos que conheço são suicidas” (2019, Editora Caos & Letras) e “Sentido Suspenso!” (2012, Multifoco), tem diversos textos espalhados pela internet e em antologias. Documentarista, ajudou a criar e dirigiu o programa de websérie Literatura no Boteco. É Coordenador do Coletivo Terra Firme, responsável pelo selo editorial e agência multimídia Marginália Comunicação, locutor e produtor do programa Cemitério dos Vivos, na Matula Web Rádio, co-fundador e editor na Editora Caos & Letras. cristianorato@caoseletras.com

 

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