Janela Poética V

Ilza Carla Reis

 

Ilustração: Marjorie Duarte

 

Poesia silenciada

 

O silêncio da poesia ecoa
pelos muros da cidade
Seu silêncio ensurdecedor
Gritou em meus tímpanos dormentes
e calou…

Mesmo calada, reticente,
posso sentir sua respiração em minha respiração
e o seu pulsar em minhas veias

Os versos insistem em viver
no deserto da minha sobrevivência…

Fatigada pela indiferença dos homens
e sufocada pelo concreto
a poesia reclina-se em meu peito.

Mesmo reclusa, ela continua a bradar
com sua costumeira altivez!

 

 

 

***

 

 

 

Certezas utópicas

 

Ilusão pensar que se vê
Engano pensar que se sabe
Porque vemos apenas a sombra
Sabemos do todo uma parte
Apenas a parte que nos cabe!

 

 

 

***

 

 

 

Raízes profundas

 

Fincada em meu chão
e injetada de ânimo,
sobrevivo à aridez das minhas perdas!

Em meio ao cinza da paisagem dos dias
insisto, verdejante, renascendo
tal como a flor do mandacaru
que desfila sua beleza em cores!

Espero, serena e forte,
que a paisagem que me cerca se renove.
E ela sempre se renova…

A vida é mesmo feita de paradoxos
e há um tempo pra cada coisa:
tempo de acinzentar e tempo de verdejar!

 

 

 

***

 

 

 

Avesso das coisas

 

O universo quer voltar ao princípio
porque tudo está demasiadamente duro
demasiadamente perverso

A borboleta deseja voltar ao casulo
porque, lá, ela se sente protegida
da excessiva dureza da vida
da descomedida perversidade dos homens

A criança chora com saudade
do ventre materno
onde ela era livre
onde o cordão umbilical
era laço que unia…

Aqui fora, a criança chora
e reclama a ausência
infligida pela pressa das horas
do tempo que nunca sobra…

É preciso colocar, de novo,
as coisas no prumo!

Vai, criança!
Não dá mais pra voltar pr’o ventre
Então, segue em frente
e desavessa o mundo!

 

 


***

 

 

 

Parto

 

Para Clarissa Macedo

 

Não quero ter
de escrever este poema
porque ele dói em mim
e não quero que doa
também em você

Não quero
escrever este poema
porque seus versos
diluem minhas certezas que
mesmo aleijadas
me sustentam
e
como não posso
viver sem elas
imagino que você
também não possa viver

Já disse!
Não quero
escrever este poema!
Só de gestá-lo
em meus pensamentos
sinto que me falta
o ar nos pulmões

Suas metáforas amoladas
cutucam minhas feridas que
pensava
já estariam saradas
mas elas sangram
novamente

Teimoso poema!
Mesmo contra a minha vontade
teima em nascer
teima em vir ao mundo
a este mundo que não o quer

Pois bem!
Nasce logo de uma vez
bendito poema
e me livra das dores deste parto!
……(
………………………….
…………………………..)

Já posso senti-lo
saindo de minhas entranhas
consigo vê-lo
esborrachando-se no papel,
sujo de sangue,
do meu sangue,
………………e
ainda dói
agora
uma dor mitigada
por tê-lo parido
por vê-lo nascido
……………….[finalmente

Entorpecida
ouço seus primeiros gemidos
e antes mesmo de respirar
………………[ele chora
Pobre poema…
parece já saber
que viver neste mundo
não será nada fácil

E a dor que doía em mim
agora dói nele
………………..[mais uma dor parida em versos…]

 

Ilza Carla Reis, escritora, mãe, professora, é natural de Euclides da Cunha (Cumbe), Bahia, Brasil, onde trabalha e reside. Professora do curso de Letras do campus XXII da UNEB. Autora do livro de poesias “Poemeadura” (Mondrongo, 2018) e coorganizadora, ao lado de Luís Felippe Serpa, da coletânea em prosa “Histórias pra quem gosta de aprender” (Darda, 2019). Integra os coletivos “Confraria Poética Feminina”, pelo qual participa de diversos projetos e coletâneas, “Mulherio das Letras” e “Coverso19”. Considera-se, ousadamente, uma mulher que faz “peraltagens com as palavras”. 

 

 

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