Janela Poética V

Duda Las Casas

 

Imagem: Fátima Soll

 

Leio borra de cafés
nuvens
cartas
faço freelas
como me cansa ser otimista

 

 

 

***

 

 

 

P AR TO

 

Se dizes que não sabes se vem
ocupo seu lado da cama
com livros
espero o pai chegar
para a boa hora
tomo cuidado para não gestar algo maior
que fique difícil depois de sair
Pra eles é mais fácil parir
Como dói
uma palavra que só tem no presente
Encaro a conjunção
dou colo para o passado
escolho uma vida
para o destino
das palavras

 

 

 

***

 

 

 

Dura na queda

 

Olhar para o alto
no grito do falcão
o
aviso
para antecipar o voo
em pleno ar
ao
invés de cair
eu
poderia apenas
ter feito um poema

 

 

 

***

 

 

 

Um prato para os ancestrais

 

Respirar para o encontro
o grande encontro das forças
sobreviver
pra dançar I’ll survive
Retornar a Aushwitz
desejar ser bisavó
espalhar o dna por ai
No mapa registrar as curvas até Sintra
abrir uma Durex
dar-se conta
de que todos os espermatozoides
no fundo
desejam ser felizes

 

 

 

***

 

 

Não choro mais Julio
pelo livro que não fez sucesso
Nem pela poeta que ficou esquecida
Em Sirius
Só me preocupo em regar
Com água solarizada
Sinto forte
A dama da noite
Gero minha própria luz
monstera deliciosa
Sem hífen
virgula
Abre caminho
anti-matéria

amiga:
as alquimistas ocuparam toda a varanda
Recebo agora
um coração
revestido de selenita
comemoro o batismo
a chegada
do meu novo nome cósmico

 

 

 

***

 

 

 

Agora que o sangue desceu

 

procuro partilhar sonhos
como se estar por cima servisse
como um método contraceptivo
diagramo a mandala
o sangue passeia comigo
junto a serpente
retorno ao Rio
volto para buscar o que pensava ser nosso
visualizo a floresta brasileira
o búfalo
me agarro às orações
pouca probabilidade de ser arrastada por desejos
no primeiro dia do ciclo
não contarei mais
o tempo que leva para uma barba crescer

 

Duda Las Casas é colecionadora de imagens, oráculos e palavras. Carioca, diretora de tv e cinema, estudou jornalismo em Belo Horizonte e artes visuais no Rio de Janeiro. Duda se divide entre Brasil e Portugal, onde pesquisa a língua portuguesa na Universidade Nova de Lisboa e administra uma página de memes. “Viseira” é seu primeiro livro. 

 

 

Clique para imprimir.

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *