Janela Poética V

Priscila Branco

 

Ilustração: Bianca Grassi

 

nunca controlei meu suor
minhas fezes, minha urina
o sangue menstrual
os surtos psicóticos
a raiva ao capitalismo
a pulsão da morte
os pelos desgovernados
as unhas rapideiras
a respiração acelerada
o odor do trabalho

já não suporto
o grito controlado
a lágrima domada
o soco parindo
um livro inteiro

 

 

 

***

 

 

 

é preciso falar com portas
imaginando o outro
lado um mundo inteiro
submerso em labirintos
pontes entre portas
guardando carros
carroças e andarilhos

é preciso bater em portas
aceitar o silêncio
como resposta
aguardar bocejando
uma vigília
sem pressa e sem prece

é preciso derrubar portas
chutar até cair
abrir estradas
descosturar suturas
inventar saídas
para vencer os abismos

 

 

 

***

 

 

 

só mais um dia de fracasso
o acaso me diz
és uma máquina de fazer ossos

como meu grande ofício,
reparo no verbo antepassado
gosto de carne queimada
churrasco mal feito
respondo teimando:

não sou nada disso
tu que é chato.

 

 

 

***

 

 

 

…sempre à beira
o poema é um salto
quebrado

por outro lado,
ler poesia é voar
num barco

depois de alguns anos, está tudo no lixo.

 

 

 

***

 

 

 

eu bem gostaria de uma surpresa
às três da tarde de uma segunda
terceira opção
no meio do ano
quando o frio parece feio
porque acontecido
e a saudade não suporta mais
o real.

 

 

 

***

 

 

 

basílica à noite

 

no corpo, um corte profundo
como uma cena de filme bem feita
como um take da sua câmera quebrada
um corte religioso
que nem o cabelo de maria
madalena
ou judas
quem sabe a gente reescreve a história
beijando na boca.

 

Priscila Branco é poeta, mestre e doutoranda em literatura brasileira, pesquisadora da poesia contemporânea escrita por mulheres brasileiras fora do cânone, editora da Revista Toró e da Macabéa Edições, além de ser colunista da Revista Cassandra. Também faz parte do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Mulher na Literatura (NIELM-UFRJ) e do grupo de pesquisa Mulheres na Edição (CEFET-MG). “Açúcar” (2021) é seu livro de estreia, acompanhado pela plaquete “Pitada de prosa”.

 

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