Alexandre Guarnieri
transduzir-se
apud Ferreira Gullar
acaso vença, por mera conve/
niência, da teoria oposta ao mi/
to, este conflito – da sã ignorân/
cia das crianças sob o severo jugo
das réguas de estudo -, do utili/
tarismo sucessivo, puro e simples
sobre a Cultura vista como circo
(supérflua/ nula), sem conciliar
à velha luta a mesma desavença,
desde sempre, entre a fantasia e
a crença na verdade da essência,
……………………será Ciência ?
se uma parte de nós é retrô
e outra parte é avant-garde,
ao recapturar toda estranheza
na fronteira mesma em que
beira a familiaridade – como
um experimento de linguagem –
no exato ápice dessa passagem
para legá-la à posteridade,
……………………será Arte ?
ante a violência do combate
das Ciências sobre as Artes
e vice-versa, destarte, espe/
remos sem alarde (e antes que
seja tarde) pelo com/provável
……………………EMPATE !
***
novena do filamento [fragmento]
neste aparato sacro,
– um arcaico astro –
cada rastro o rapto
de seu arco voltaico;
cada curva rejeite
o velho ponto médio
por engenhoso e novo
desenho periférico;
e toda a pira fugidia
que no dínamo irradia
surja e fulja, na al/
tura, rútila fagulha;
em cores, do ouro ao
ocre, flua luminoso or/
be à vultosa dose de
um fiat lux no cobre:
bendito é o fúlmen no
filamento da lâmpada;
o lume mantenha-o bem,
“liga/ desliga/ religa”
……………! AMÉM !
***
o templo da técnica
na glândula de eurekas
onde nervos se acercam
o miradouro do inédito/
halo por sobre a névoa
há alvéolos & células
nos favos do encéfalo
à revelia do secreto –
o alvo da descoberta!
úvula além da medula/
o novelo que elucubra;
pulsa descarga elétrica
no interior desta cela;
……> ( * ) <
numa arca de faiança/
ou gaiola de estanho
onde encaixa o fórceps
ante a ameaça do dano
nesta caixa ou antro
que chamamos “crânio”
: voz atrás dos olhos
– cosmo neurológico –
a noz/ o cofre de inox
para o lógos de Nikola;
e veja aqui, sob a testa,
este mistério inconteste!
***
o castelo da estética
a massa cinzenta: sêmola
de toda sentença,
nódulo neuronal das lendas
que relembra
ao abrigar em cada uma
de suas células
da aspereza das pedras
à leveza da pétala;
primeiro e último sítio
de qualquer mito e espírito;
sede do novo e do velho,
do crente e do cético
cujo pejo é o desejo
pelo tal “juízo estético”;
eis o cérebro de Tesla
em seu par de hemisférios!
um abismo aberto
entre a euforia e o tédio,
ao aludir do lúdico
utilitarismo (no mistério)
ao surgimento súbito
dos surtos psicodélicos;
seu lar de cálcio e ferro
lacra a mandala
no Cáucaso ático
dos cálculos matemáticos;
o miolo tônico
sob o osso poroso/ o mar
do sonho sob o
solo do corpo; no crânio
está assentado
o seu castelo hermético,
da larga borda de Abraxas
a ágora da Via Láctea!
***
os despojos de Ajax
o que será do Sr. Tesla,
vagará no éter sem casa,
órfão da ciência exata?
enfrentará algum perigo,
sob o limbo, a destruí-lo
(do atma sem sua causa ao
último salto, ao abstrato)?
ou terá finalmente conjugado
as complicadas escalas aná/
logas [esquadros], as tábuas
sagradas da sua matemática
do caos, ao mapa da sua alma?
Alexandre Guarnieri, carioca da Zona Norte, nasceu em 1974. É historiador da arte (UERJ), mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ) e servidor público federal (INPI). Integra, desde 2012, o corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens. Ganhou em 2015 (com seu segundo livro, “Corpo de Festim”), o 57o Prêmio Jabuti na categoria Poesia. Estreou com “Casa das Máquinas” (Editora da Palavra, 2011), seguido por “Corpo de Festim” (Confraria do Vento, 2014), “Gravidade Zero” (Penalux, 2016) e “O Sal do Leviatã” (Penalux, 2018).Em 2016, foi coorganizador da antologia “Escriptonita – pop/oesia, mitologia-remix & super-heróis de gibi” (Patuá). Em 2019, a antologia “Arsênico & Querosene” (Kotter) apresentou, além de poemas inéditos, seletas de seus 4 primeiros livros.