Olhares

A intermitência dos silêncios

Por Fabrício Brandão

 

Foto: MaríaTudela

 

Um olhar queda mudo diante da paisagem indefinida, enevoada pelas razões do mistério. Quando crianças, ensaiamos teimosamente que o horizonte de qualquer lugar não possui um fim. A verdade é que os silêncios sempre foram alguma espécie de companhia, ajudando-nos a trilhar nossas sinas diante da imensidão das dúvidas. As pausas, contemplativas ou não, revelam-se como sendo motivadoras de um porvir que muitas vezes não está bem claro em nós. Então, cabe indagar por que continuamos sempre a vislumbrar algo por entre a turvação dos sentidos.

Vez ou outra, alguém nos lembra que os ingressos e partidas são atos extremante solitários, tão marcados que estão por um poderoso e, ao mesmo tempo, denso mergulho pessoal nos abismos aos quais nos atiramos. Deixar-se abandonar por uma ideia ou sensação parece trazer em si um movimento de renúncias aos desígnios de tantas e tão distintas eras vividas. Chegamos até a desconfiar que existir é não dar conta do impulso propalado pelas horas, ou seja, é rechaçar a urgência que nos cobra respostas a uma infinidade de questões. Diante do turbilhão que acelera processos físicos e mentais, é quase que uma extrema necessidade invocarmos o destino intervalar dos silêncios.

Mas eis que tudo demanda uma atitude que não representa uma passividade diante das coisas e acontecimentos. Com isso, um artista intenta a via da provocação, conferindo poder aos recursos da sugestão como forma de mostrar ao mundo que o produto de sua criação não veio à lume para acomodar sensações. O que acabo de falar aqui cabe muito bem na descrição do ofício de uma fotógrafa como María Tudela, cuja arte repousa na prerrogativa de não determinar caminhos, mas sim propor mergulhos pessoais a todos aqueles que lançarem olhares sobre suas criações.

 

Foto: María Tudela

 

Detentora de uma condição autodidata, a espanhola María Tudela diz de sua arte um ato de se deixar levar pelas situações que a envolvem, buscando um resultado que reflita percursos passíveis de serem experimentados pelas pessoas. Como ela mesma confessa, sua arte não procura apresentar respostas. Cada foto encerra uma história, eis a morada de sua filosofia. Seus personagens, derivados duma observação cotidiana, aparecem revestidos pelo manto do anonimato e, sem explicitar rostos, a fotógrafa busca atrair nossos olhares para o sentido de totalidade da imagem, sempre preferindo que os detalhes não venham a causar efeitos desnecessários de distração.

Em meio a tons que mesclam preto e branco, o humano em María aparece visitado por paisagens marcadas pela busca. Aqui, os protagonistas dos anseios encontram-se imersos nos mais distintos espaços como se, através do exercício sereno dos silenciamentos, pudessem dar vazão a suas próprias existências. Noutra via, o olhar da fotógrafa também devota especial atenção a elementos integrantes da natureza, tais como aves, o mar, árvores, a chuva e a neve, todos eles evocando um ambiente de percepções que agregam memória, histórias e sentimentos ligados ao lado sublime da vida.

Concebendo suas fotografias como “imperfeitas”, María Tudela não pretende render-se aos rigores da técnica na busca por uma imagem, como ela mesma diz, impecável. Nesse sentido, a fotografia assume o papel de ser muito mais do que a mera aplicação de domínios de um saber específico e portador de uma estética. Algo transcende tal entendimento, o que nos permite concluir que a possibilidade de fazer da arte um instrumento genuíno de experimentação dos instantes é um atributo inexorável.

 

Foto: María Tudela

 

* As fotografias de María Tudela são parte integrante da galeria e dos textos da 126ª Leva

 

Fabrício Brandão confessa que, definitivamente, não consegue sobreviver sem arte. Por isso, atira-se a livros, discos e filmes com o sabor perene da primeira vez. Por isso, edita a Revista Diversos Afins, é baterista amador e, atualmente, mestrando em Letras pela UESC, aliando Literatura e Cultura.  

 

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