Olhares

A reinvenção do humano em Canato

Por Fabrício Brandão

 

Pintura: Canato

 

Revisito os arquivos do tempo e chego até o ano de 2008. Na ocasião, pude me deparar, pela primeira vez, com as pinturas de Cláudio Canato, artista plástico paulista. Mas esse seria apenas um mero relato de uma descoberta não fosse o impacto que as obras do artista causaram em mim àquela época. Chamava atenção naquele momento o modo como o artista reproduzia as formas humanas, deixando entrever a naturalidade de gestos e expressões das figuras retratadas.

Foi, então, que promovemos na Leva 21 uma pequena exposição com alguns trabalhos de Canato. Era possível perceber ali que havia toda uma peculiar forma de se lidar com as construções figurativas do humano. E como o próprio artista sustenta, ele desenvolveu uma maneira própria de pensar a representação humana em suas pinturas, engendrando um modo de conceber pessoas como resultado direto de sua imaginação, ou seja, sem o uso de modelos como ponto de partida para a criação. O especial nessa atmosfera criativa é pensar que a obra de arte eclode a partir do âmago de quem a cria, dinamismo de epifanias interiores.

Canato não nega o mundo. Ainda que seus corpos e rostos sejam marcados pelo traço inaugural da descoberta, há uma comunhão com signos universais de nossa existência. Por não negligenciar aquilo que também somos enquanto espécie, o artista em questão ressignifica as experiências humanas a seu modo.

 

Pintura: Canato

 

A anatomia do corpo tem seu idioma específico no conjunto da obra desse paulistano. São contornos e formas que exalam tensões da natureza humana, revelando também contrastes entre a celebração do gozo das vivências e os embates questionadores da nossa jornada. Mas eis que o corpo, em sutis jogos de luz e sombra, é pensado pelo artista como algo sacralizado não por constituir matéria de perfeição idealizada dos homens, mas como o próprio retrato da dualidade e das oposições entre o físico e a aspiração espiritual. A despeito disso, estão os murais pintados por ele, bem como as obras que compõem tetos de algumas capelas em São Paulo.

Há uma diversidade de possibilidades nas frentes que o artista atua. São exemplo disso não apenas os murais e capelas já mencionados, mas também retratos, desenhos, séries e um olhar voltado para a literatura infantil, na qual Canato ilustra e redige textos de alguns livros. No que tange aos murais, há um em específico que vem se destacando como um dos trabalhos mais significativos do artista na atualidade. Trata-se de “El Quijote”, que foi pintado no Colégio Miguel de Cervantes, em São Paulo. A importância dessa obra certamente está no modo como, num ambiente escolar, a arte se insere de maneira natural na construção do saber, instigando a curiosidade dos alunos não apenas em torno do processo criativo, mas da temática abordada.

Mesmo tendo sido influenciado por componentes estéticos advindos, por exemplo, de movimentos como o Renascimento e o Barroco, Canato não abre mão de pavimentar seu próprio caminho no quesito criação. Para tanto, promove seus mergulhos pessoais nos temas pensados, retirando deles construções que advogam pelo exercício de sua individualidade artística. É de se considerar que rupturas com o passado não são obsessões do artista, tampouco constituem alguma espécie de peso. Com leveza e percebendo seus chamamentos interiores, Canato ressignifica o humano com aquilo que tem de melhor, sua assinatura.

 

Pintura: Canato

 

* As pinturas de Canato são parte integrante da galeria e dos textos da 133ª Leva

 

Fabrício Brandão é caótico, sonhador e aprendiz de gente. Se disfarça no mundo como editor, poeta, baterista e mestre em Letras.

 

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