Por Larissa Mendes
WADO – IVETE
Oswaldo Schlikmann Filho – vulgo Wado – leva mesmo a sério sua bússola errante do não se repetir. Depois de transitar recentemente pelo rock (1977), pela MPB (Vazio Tropical) e até mesmo pelo funk carioca (Samba 808), chegou a vez de dissecar um dos gêneros mais controversos e alvo de preconceito no país: o axé. Lançado em julho, o nono trabalho de Wado – intitulado Ivete – se propõe a “esmiuçar o ritmo e vasculhar os guetos” baianos. Porém, nem tudo são abadás e vogais. O álbum faz link com sua obra Atlântico Negro (2009), o título brinca de maneira simpática com a “musa intocada da empreitada” e tem como referência sonora os primeiros discos de Moraes Moreira e Luiz Caldas, nas origens do gênero, o “axé de raiz”, com letras de cunho político e social.
Alabama (sangue nas folhas, sangue da raiz/flutua em pleno ar, em tudo nada diz), primeiro single do álbum é uma parceria com Thiago Silva (Sorriso Maroto) e tem como inspiração Strange Fruit, gravada por Billie Holiday – e por tantas outras divas – e aborda a situação dos negros enforcados em plantações norte-americanas. A força de Alabama contrasta com a doçura quase didática de Terra Antiga/Jesus é Palestino, com a inserção de Ralé, da Timbalada, e figuraria tranquilamente nos projetos de Adriana Partimpim. Já em Um Passo à Frente, talvez a faixa mais alegórica do álbum – releitura da canção de Moreno Veloso –, até se pode imaginar Wado participando do trio elétrico de Ivete Sangalo, arrastando o bloco da cantora no circuito Barra-Ondina. As guitarras à lá Asa de Águia de Sexo (atira teu corpo sobre o meu/mais de cem, mais de mil vezes), também em companhia de Thiago Silva e de Você Não Vem (leva todo o teu desejo/a dor de sempre ser saudade/leva tudo, teu desprezo/as coisas são e parte as partes), ao lado de Momo e Marcelo Camelo – e suas levadas de bilhetes amorosos incompletos – garantem os melhores momentos do álbum.
Samba de Amor, como o próprio nome sugere, é mais um típico e agradável sambinha composto com Alvinho Lancellotti e Momo. Os batuques e os orixás de Mistério (não sei se é dor/dói de apartar/sinto de um jeito/não sei contar), parceria com Zeca Baleiro, desembocam na regravação de Filhos de Gandhi, composição de Gilberto Gil, de 1975. As incertezas de Amanheceu, “como um rifle em celibato, como um louco em desacato” traz nos samples alusão ao massacre escolar de Columbine, de 1999, tão bem retratado no cinema por Michael Moore e Gus Van Sant, respectivamente em Tiros em Columbine (2002) e Elephant (2003). Nós (você, norte da existência/você, o amor dos dias) – que bem poderia compor Vazio Tropical –, e seus belíssimos versos quase à capela, também co-autoria de Baleiro, encerram o álbum arrematando todas as declarações de amor suspensas em outros carnavais.
Mais uma vez o mutante radicado em Maceió, Wado, [re]visita um ritmo e imprime sua marca. No caso do polêmico axé, jamais ele soou jocoso. Ao contrário, resgatou a essência do ritmo e sua verve percussiva. Produzido (ou feito, como prefere dizer) pelo próprio artista e lançado de forma independente, Ivete está disponível para download em seu site e em todas as plataformas de streaming. Aliás, sua obra completa (9 álbuns) encontra-se acessível para download. Para meados de setembro, o músico planeja a gravação de seu primeiro DVD, em comemoração aos 15 anos de carreira. A micareta poética de Wado está pronta para tirar o pé do chão.
Em terra de Ivete, Larissa Mendes faz uma colheita [in]feliz.