Por Larissa Mendes
JUVENIL SILVA – UM BELO DIA NESSE INFERNO
Em meio a esse turbilhão de energias caóticas que vive(u) o país, o músico pernambucano Juvenil Silva lançou na primeira quinzena de outubro Um Belo Dia Nesse Inferno (2022), quarto álbum de sua carreira. Um disco que, em sua serenidade, faz contraponto ao olho do furacão dos dias atuais. Diferentemente dos discos anteriores, as 10 faixas de Um Belo Dia… se esquivam do rock e das guitarras distorcidas, recorrentes no trabalho do músico. Aliás, trata-se de um álbum quase ausente de guitarras, onde prevalecem violões de aço, nylon, 12 cordas e um lendário instrumento: o tricórdio (instrumento de três cordas, também chamado de pandora) de Lula Côrtes (1949–2011), o mesmo que gravou discos clássicos como Paêbirú (1975), Molhado de Suor (1974), Flaviola e O Bando do Sol (1976), entre tantos outros.
O disco abre com o folk psicodélico Sem Relógios, single lançado em janeiro. Na sequência a ótima canção que nomeia a obra Um Belo Dia Nesse Inferno (bem, andei pensando e já faz tempo/que eu nem parava pra pensar/que a gente não é o que quer na vida/tão pouco se é aquilo que o outro acredita) filosofa sobre o nosso eu, “o amor e outras drogas mais pesadas”. Objeto Afetivo (tínhamos teto, tato, tava tudo tão bonito/e agora quanto tempo nem se sabe onde estamos/por ora estamos sendo ou por vezes tentando), tem parceria de Guilherme Cobelo e evoca Raul Seixas, enquanto a bela (ao contrário do que diz sua letra) Noites Sem Futuro (não teve como fazer uma canção bonita para nós/nós somos dois, somos bois/ruminando migalhas de momentos bons) tem a colaboração de Evandro Negro Bento. A apocalíptica Música de Repúdio tem as gaitas de Rodrigo CM e a queixa de que “o mundo já acabou tantas vezes que eu perdi a conta”. A segunda metade do disco apresenta ainda a balada Pra Gente Passear na Cidade (saber que a vida é boa/mas não é sopa/que o doce na boca/custa os olhos da cara), a instrumental meso lenta, meso punk Desoriente e o single solar, apresentado em junho, Estamos Numa Encruzilhada – canção pessimista que tem videoclipe em P&B disponível em seu canal do YouTube. Completam o disco a balada de amor livre Deixe-se e Para Que Se Perca Antes.
O sucessor de Desapego (2013), Super Qualquer No Meio de Lugar Nenhum (2014) Suspenso (2018) e do EP Lonjura (2021) traz a atmosfera do folk psicodélico e da canção, soando ora mais popular, com ares de Zé Ramalho, Bob Dylan, Belchior, ora mais psicodélico, como Lula Côrtes, Syd Barret, e até mesmo melancólico, como Flaviola e Nick Drake. Todos esses artistas, assim como outros do mesmo nicho, fazem parte das referências e influências “juvenis” desde o início de sua trajetória, acentuadas, finalmente, nessa obra mais recente. Lançado por seu selo Plurivox, após mais de dois anos de “gestação”, um detalhe curioso é que Um Belo Dia Nesse Inferno seria o título do primeiro disco de Juvenil, que acabou se chamando Desapego. Mas não é apenas sobre o título. O próprio conceito mais intimista contrasta com o caminho mais agitado escolhido pelo artista no início de sua carreira. O álbum tem participações especiais de Régis Damasceno (Cidadão Instigado), Lucas Gonçalves (Maglore), Pedro Huff, Bonifrate (Ex-Supercordas), e vários outros músicos pernambucanos. A exemplo de Depois da Curva (2022), primeiro álbum que Juvenil lançou ao lado do coletivo Avoada em setembro, as 10 faixas de Um Belo Dia Nesse Inferno – que somam quase meia hora de música – são composições autorais inspiradas e pautadas na turbulência cotidiana. Vale o giro e a reflexão.
Larissa Mendes viveu belos dias e outros nem tanto nessa encruzilhada chamada 2022.